quarta-feira, 13 de abril de 2011

Ciência de manipulação

Eu sempre digo: Não podemos acreditar cegamente em estudos que afirmam que a única solução é se entupir de remédios. Hoje em dia existe remédio para tudo, menos para bom senso. O texto abaixo mostra como estudos científicos são exagerados e/ou manipulados pelos seus pesquisadores para adquirirem visibilidade na comunidade científica e leiga. Portanto, desconfie daquele novo estudo (de universidade estadunidense) que diz resolver problemas através de remédio e que é capa da revista Superinteressante, Saúde, Veja, Galileo ou outra qualquer. Lembre-se que a maioria das pesquisas científicas estadunidenses são patrocinadas por laboratórios farmacêuticos, que pedem que parte da conclusão aponte para o laboratório como a solução.

"Até estudos médicos sucumbem ao sensacionalismo
por Heloisa Villela, em Washington

A nossa boa e velha mídia, pelo visto, não está sozinha em matéria de distorções e exageros. Acabo de receber um artigo publicado no PLoS ONE, um site interativo para a divulgação da revisão de estudos científicos. O título do artigo é prá lá de sugestivo: “A deturpação de dados da Neurociência pode provocar conclusões enganosas na mídia: O caso do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade”.

Pois bem, três cientistas da Universidade de Bordeaux, na França, decidiram analisar pesquisas científicas, todas publicadas em inglês, sobre a TDAH. Compararam o sumário com as conclusões e os dados da pesquisa. Também analisaram como a imprensa repercute as descobertas anunciadas e como a mídia científica publica e repete os resultados das mesmas pesquisas.

No caso da TDAH, foco exclusivo do estudo, eles constataram que existe uma distorção frequente da literatura científica que pode estar contribuindo para o surgimento de conclusões equivocadas na imprensa. E essas distorções estão reforçando a teoria, ou fortalecendo a visão de que a TDAH é “essencialmente causada por fatores biológicos”. O que, nas pesquisas científicas, nunca foi comprovado. Um dado que também provoca um determinado tipo de tratamento: a medicalização com estimulantes.

Em 360 artigos científicos analisados, Francois Gonon, Erwan Bezard e Thomas Boraud encontraram dois com grande discrepância entre o conteúdo do estudo e as conclusões apresentadas. Mas ao contrário dos outros, que não tinham inconsistências, esses dois repercutiram muito na imprensa.

O primeiro, da dra. Nora Volkow, afirma ter encontrado provas de que o cérebro de adultos TDAH tem menos neurotransmissores, o que seria a causa da dificuldade de se concentrar, etc. Mas, nos resultados, a dra. Volkow diz que os dados também permitem uma interpretação oposta à que ela apresentou. Ou seja, é uma teoria que ainda não foi comprovada.

Esse detalhe, apesar de fundamental e de colocar em dúvida a tese da descoberta da origem genética do transtorno, é mencionado em apenas dois de 170 artigos publicados sobre a pesquisa, entre 1996 e 2009.

A dra. Volkow também analisou a genética dos TDAH e descobriu uma presença maior, entre eles, de uma determinada variedade do gene DRD4. Mas ressalta que é uma incidência pequena e, por isso, o risco desta variedade genética ser a causa da doença é muito pequeno. Mas essas ressalvas quase nunca são levadas em consideração, como mostra a manchete do Wall Street Journal, sobre a pesquisa da dra. Wolkow, em 7 de agosto de 2007: “Química do cérebro tem papel chave na TDAH, diz estudo”.

Até aí, tudo poderia não passar de déficit de atenção da grande imprensa, o que não seria grande novidade. Mas o incrível é que, segundo os autores, a literatura científica não fica atrás. Entre a publicação do tal estudo e fevereiro de 2010, 30 artigos científicos citaram a pesquisa e destes, 20 repetiram a conclusão básica sem apontar as inconsistências da pesquisa.

Outro artigo analisado é o do dr. William Barbaresi, que defende o tratamento com estimulantes (vide Ritalina) para melhorar o rendimento escolar das crianças TDAH. Mas vários cientistas dizem que o argumento é fraco porque o remédio funciona, ou seja, provoca melhora no desempenho escolar de qualquer criança. TDAH ou não.

Os autores do trabalho destacam que essas deturpações e exageros têm consequências sociais e de saúde pública porque reforçam uma ou outra maneira de olhar e tratar TDAH. Se a teoria de que o transtorno é basicamente biológico se firma, então o tratamento será basicamente a base de remédios. E é o que está acontecendo nos Estados Unidos: a sobrevalorização do tratamento médico sem levar em conta a necessidade de intervenção psicossocial.

Mas os cientistas franceses não concentram as críticas no trabalho da imprensa e sim nos colegas. Destacam que muitos exageram os resultados das pesquisas porque acham que assim terão mais chances de publicar o trabalho. E extrapolam o resultado sugerindo possíveis processos terapêuticos. Ou seja, pulam logo para as possibilidades de tratamento porque isso enche os olhos do público e de quem seleciona artigos para publicação. “A competição entre autores, para publicar em jornais de renome, e entre editores distorce a publicação de pesquisas biomédicas em favor do sensacionalismo”.

O texto do trabalho está aqui:

http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0014618 "

Fonte: Vi o Mundo

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